Boletim tlim n.º 60 ★ Setembro de 2024

Olá!

Em agosto, extraí muitos megabytes dos servidores de bolsas europeias para tentar perceber se as ordens ao melhor — aquelas em que não se decide o preço — são soluções razoáveis para quem não deseja acompanhar a barafunda dos mercados. As conclusões estão no primeiro artigo desta sexagésima edição do boletim tlim.

No segundo texto, exploro uma isenção fiscal pouco debatida: pode não haver tributação das mais-valias imobiliárias para os maiores de 65 anos.

— David Almas

1

Há melhor do que uma ordem ao melhor? Simplifique

Por David Almas a 1 de setembro de 2024

Sabe o que acontece quando coloca uma ordem de bolsa via Internet? Se estiver a decorrer uma sessão de bolsa, é quase instantâneo: o seu pedido passa para o seu intermediário e, posteriormente, para a bolsa. Em menos de um segundo, engrossa o livro de ordens, o registo eletrónico que contém todas as ordens de compra e de venda pendentes no mercado.

Na bolsa, cada título negociado tem um livro de ordens. Simplificadamente, logo após as 11h30 do passado dia 19 de agosto, eram estas as primeiras linhas do livro de ordens sobre o fundo iShares Core MSCI World UCITS ETF (conhecido pelo seu código de negociação “IWDA”) na bolsa Euronext Amsterdam:

Livro de ordens Plataforma: Euronext Amsterdam
ISIN: IE00B4L5Y983
Data: 19 de agosto de 2024 11h30m01s
CompraVenda
QuantidadePreçoPreçoQuantidade
519294,075€94,090€3000
613494,070€94,095€6134
738494,065€94,100€5192

O ISIN é o código único de identificação internacional dos produtos de investimento.

As duas colunas da esquerda incluem informação sobre as ordens de compra: na primeira linha percebe-se que havia ordens para comprar 5192 unidades do IWDA a 94,075 euros.

As ordens estão ordenadas pelo preço: as compras potenciais com preços mais elevados surgem primeiro; as vendas, do lado direito, com os preços mais baixos aparecem no topo. São as primeiras candidatas a serem satisfeitas.

A primeira linha inclui os melhores preços de compra e de venda. Quando os preços são iguais, casam-se as ordens: a transação é efetuada e as ordens completamente realizadas saem do livro.

Quando um investidor transmite uma ordem ao melhor (ou de mercado), é imediatamente casada com a primeira ordem (ou primeiras ordens) do lado oposto do livro. Por exemplo, naquele dia, às 11h30m01s, uma ordem de compra de 1000 unidades do IWDA ao melhor seria satisfeita a 94,09 euros.

(Todas as horas neste artigo são de Portugal continental.)

Em paralelo

O IWDA, o maior fundo europeu que investe numa carteira indexada de ações mundiais, não é unicamente negociado na Euronext Amsterdam. Oficialmente, a BlackRock, a sociedade gestora do fundo, avançou com a colocação deste produto também no segmento eletrónico Xetra da Börse Frankfurt e na Borsa Italiana. Essas bolsas também têm livros de ordens sobre o IWDA. (É também negociado oficialmente em libras esterlinas e dólares norte-americanos em Londres, em pesos na Bolsa Mexicana de Valores e em dólares norte-americanos na SIX Swiss Exchange.)

Naquele momento, este era o livro de ordens em Francoforte:

Livro de ordens Plataforma: Xetra
ISIN: IE00B4L5Y983
Data: 19 de agosto de 2024 11h30m01s
CompraVenda
QuantidadePreçoPreçoQuantidade
494,086€94,094€2414
558594,078€94,096€3120
448294,070€94,104€6790

E em Milão:

Livro de ordens Plataforma: Borsa Italiana
ISIN: IE00B4L5Y983
Data: 19 de agosto de 2024 11h30m01s
CompraVenda
QuantidadePreçoPreçoQuantidade
532694,080€94,110€10 828
839694,070€94,130€4976
112094,060€94,140€7840

Além das bolsas oficiais, nada impede que outros sistemas de negociação ofereçam a transação de um título. O IWDA, por exemplo, é também negociado na Bulgarian Stock Exchange, na Gettex, na Lang & Schwarz, na Quotrix e na Tradegate Exchange.

Como pode confirmar nos quadros anteriores, os melhores preços de compra e de venda não podem diferir muito entre as bolsas. Quando a divergência se acentua, alguns investidores optam pelos melhores negócios: compram na bolsa com o preço de venda mais baixo ou vendem na bolsa com o preço de compra mais elevado, pressionando essas cotações na direção da convergência.

Melhores preços de venda sobre o IWDA Esta foi a evolução do melhor preço de venda nos livros de ordens do IWDA na Euronext Amsterdam, na Xetra, na Borsa Italiana e na Tradegate Exchange ao longo da sessão bolsista do dia 16 de agosto de 2024. A figura dos melhores preços de compra é semelhante. Amplie esta figura para procurar as diferenças.
8h05 16h30 93,68€ 94,42€

No passado dia 16 de agosto, a diferença entre os melhores preços de venda sobre o IWDA na Euronext Amsterdam, na Xetra, na Borsa Italiana e na Tradegate Exchange tendeu para menos de 0,01%. Foi negligenciável.

Ausência de referência

Quanto valem as unidades de um fundo de investimento? O preço na bolsa é conhecido; o valor, nem sempre.

As sociedades gestoras publicam diariamente o valor contabilístico das unidades dos seus fundos: somam o valor de mercado das suas participações — quanto valem as ações da Apple, da Microsoft, da Nvidia e dos títulos das outras 1427 empresas na carteira do IWDA, por exemplo —, acrescentam o dinheiro em caixa, subtraem os encargos pendentes e eventualmente as dívidas do fundo e dividem o resultado pelo número de títulos.

Infelizmente, o valor contabilístico (ou net asset value, NAV) é apenas calculado uma vez por dia.

As ações da Apple, da Microsoft e da Nvidia mudam de preço múltiplas vezes ao longo do dia. Para refletir essas variações, usava-se o iNAV, de indicative net asset value: uma estimativa do valor contabilístico das unidades de um fundo ao longo de uma sessão de bolsa.

O iNAV tinha, porém, defeitos; não era equivalente a um valor justo. Por exemplo, não era uma boa referência durante a manhã portuguesa para quem queria transacionar o IWDA: as bolsas norte-americanas estavam fechadas e, logo, o iNAV não transparecia o valor mais recente da Apple, da Microsoft e da Nvidia.

Nos Estados Unidos da América, é possível negociar ações fora do horário oficial das bolsas. Alguns desses títulos estado-unidenses são também negociados na Europa. Durante a manhã em Portugal, o iNAV do IWDA não refletia, todavia, essas atualizações. (Em edições remotas do boletim tlim, sugeri ajustar o iNAV pela variação nos futuros sobre o S&P 500, o principal índice acionista nos EUA.)

Os reguladores europeus e norte-americanos deixaram de exigir às sociedades gestoras de fundos cotados a publicação do iNAV ao longo das sessões de bolsa. Na Europa, a publicação foi descontinuada em maio de 2023, deixando os investidores sem referência para as suas transações.

Bem-vindos, criadores de mercado

Os investidores profissionais têm acesso a ferramentas que permitem calcular constantemente o valor justo dos fundos cotados. O que podem os pequenos investidores fazer para colmatar a assimetria de informação?

Há um conjunto de empresas de investimento que são essenciais aos pequenos investidores: os criadores de mercado. Estes intermediários, cuja atividade é regulada e supervisionada, estão quase permanentemente na bolsa com propostas de compra e de venda sobre instrumentos financeiros. Desenham modelos algorítmicos para maximizarem os seus lucros com baixo risco.

É natural assumir que os criadores de mercado, como investidores profissionais, sabem continuamente qual o valor justo dos fundos cotados sobre os quais têm ordens disponíveis na bolsa.

Quando os criadores de mercado concorrem entre si e com os restantes investidores, há outra convergência: os melhores preços de compra aproximam-se dos melhores preços de venda. É racional admitir que, num dado momento, o valor justo de um fundo está entre essas propostas.

Por vezes, as bolsas incentivam a convergência dos melhores preços de compra e de venda. A Deutsche Börse, que controla a Börse Frankfurt, devolve os encargos de transação aos criadores de mercado na Xetra quando atingem determinados objetivos, como um baixo diferencial entre os melhores preços de compra e de venda.

O Baader Bank, o BNP Paribas Arbitrage, a Flow Traders, o Morgan Stanley, a Optiver e a Société Générale, os criadores de mercado do IWDA na Xetra, têm um diferencial máximo de 1,20% entre as melhores propostas de compra e as melhores propostas de venda sobre esse fundo de investimento. Nos fundos Vanguard LifeStrategy, o teto é de 3%. (Na prática, são muito menores, como revelarei à frente.)

Os melhores preços de compra e de venda convergem não só numa bolsa. Como os criadores de mercado e os restantes investidores atuam em várias bolsas em simultâneo (a Tradegate, por exemplo, é o principal criador de mercado do IWDA na bolsa búlgara e na Tradegate Exchange), os preços nessas praças também tendem a ser muito próximos.

Ao melhor

Ao longo do mês de agosto, em várias sessões de bolsa, acompanhei ao segundo, pelo menos, os melhores preços de compra e de venda dos fundos cotados que recomendei na passada edição de janeiro do boletim tlim.

No IWDA, o diferencial entre os melhores preços de compra e de venda na Euronext Amsterdam foi, em média, inferior a 0,02%. Se acreditarmos que o valor justo se encontra a meio caminho entre esses preços, então o sacrifício numa ordem ao melhor, que é imediatamente satisfeita com o melhor preço de compra ou com o melhor preço de venda no livro de ordens, tende a ser, em média, inferior a 0,01%. (Na Xetra, o diferencial foi de 0,02% e em Milão de 0,03%.)

Se investir num fundo cotado intensamente negociado ao longo das sessões de bolsa, como o IWDA, uma ordem de bolsa ao melhor tende a ser uma boa ideia para os investidores de longo prazo: é quase instantânea e sacrifica pouca riqueza.

Faço, porém, algumas ressalvas para quem deseja recorrer às ordens ao melhor:

Estas recomendações dirigem-se aos investidores que transacionam para o longo prazo e que não têm interesse na farfalha das bolsas. Se fizerem como sugiro, sabem que, em média, deverão ter um encargo adicional de 0,01% face ao potencial valor justo do IWDA no momento.

(É possível que a instabilidade dos preços de compra e de venda, que proponho que evite, possa representar uma oportunidade de negócio. Este artigo não se debruça sobre esse tema.)

Mais fundos

O IWDA é um dos fundos mais negociados na Europa, o que se reflete num dos diferenciais mais estreitos. Os restantes fundos cotados que recomendei em janeiro não beneficiam de diferenças tão pequenas.

Estes foram os diferenciais entre os melhores preços de compra e de venda nas bolsas que oferecem mais liquidez:

Note que os valores dos diferenciais na lista anterior são médias de observações recolhidas em intervalos de um segundo ou menos em cinco sessões de bolsa em agosto passado, sempre entre as 8h05 e as 16h30. É provável encontrar registos inferiores (e superiores) quando quiser comprar ou vender um dos fundos anteriores.

Ao longo da minha análise, verifiquei, por exemplo, que o diferencial entre os melhores preços de compra e de venda sobre o IWDA na Euronext Amsterdam foi mais reduzido entre as 9h30 e as 13h30. Em média, foi de 0,01%.

Durante mais de uma hora do dia 23 de agosto passado, por exemplo, o diferencial entre os melhores preços de compra e de venda sobre o Vanguard LifeStrategy 60% Equity em Milão foi inferior a 0,05%.

Considere que metade do diferencial no momento da sua ordem ao melhor é um encargo de negociação, a par da eventual comissão de bolsa que tem de pagar.

O impacto desse diferencial no seu património futuro é linear. Por exemplo, se investir euros por ao longo de anos, acumulará 274 009,60 euros, assumindo uma rentabilidade anual de %. Se incorrer num encargo de 0,025%, metade do diferencial de %, em todas as ordens de compra ao melhor, acumularia 273 941,10 euros. (Este parágrafo é interativo: mude os valores para adaptar o texto.)

A seleção da melhor bolsa para negociar não deve depender apenas do diferencial entre os melhores preços de compra e de venda. Considere também os encargos cobrados pelo seu intermediário financeiro.

Maldição do desfasamento

Quando o diferencial entre os melhores preços de compra e de venda é pequeno, uma ordem ao melhor pode ser uma solução rápida e barata de transacionar fundos cotados. Há, porém, um grave problema: as principais bolsas europeias não publicam os livros de ordens em tempo real. Os intermediários de bolsa raramente oferecem essa informação aos seus clientes.

Essa informação bolsista é tradicionalmente publicada com um desfasamento de 15 minutos nas páginas das bolsas, uma eternidade nos mercados financeiros. Como resolver esta lacuna?

Sugiro uma de duas opções:

  1. Registe-se gratuitamente na Börse Frankfurt. Ganha acesso ao Xetra Real-Time, que dá cotações e melhores preços em tempo real. Graças ao paralelismo das bolsas, em parte pela atividade dos criadores de mercado, mesmo que não negoceie os seus fundos na Xetra, os preços são frequentemente muito próximos. Em alguns fundos, é possível ver as dez primeiras linhas do livro de ordens em tempo real.

    Tem, todavia, um problema: em alguns casos, os preços são apresentados com duas casas decimais, quando as cotações oficiais incorporam três, o que tem um impacto significativo no cálculo do diferencial.

  2. Visite a Tradegate Exchange. Se não quer registar-se na Börse Frankfurt, sugiro que recorra a outras praças mais pequenas, como bolsas secundárias e sistemas de negociação multilateral para obter preços em tempo real. Recomendo a Tradegate Exchange como fonte de informação para calcular o diferencial dos melhores preços em tempo real.

A primeira linha do livro de ordens da Tradegate Exchange:

Livro de ordens Plataforma: Tradegate Exchange
ISIN:
CompraVenda
QuantidadePreçoPreçoQuantidade
1000111,546€111,601€1000

Estes preços traduzem-se num diferencial de 0,05%, o que sinaliza o bom funcionamento do mercado e o baixo risco numa ordem ao melhor.

Os preços anteriores são atualizados automaticamente a cada dez segundos, mesmo quando o mercado está encerrado. Repare que a Tradegate Exchange opera entre as 7h e as 21h. Fora do horário normal das bolsas europeias principais, das 8h05 às 16h30, o diferencial é mais elevado.

Pode consultar os preços do , , , , , ou de qualquer outro título cotado na Tradegate, substituindo o ISIN no campo anterior.

Embora a Tradegate Exchange seja uma fonte de informação valiosa, opte por negociar numa das bolsas oficiais: Amesterdão, Milão, Paris ou Xetra.

Quando voltar a avaliar fundos de investimento no boletim tlim, contabilizarei o diferencial entre os melhores preços de compra e de venda como encargo antes de fazer recomendações aos subscritores. ★

2

Trocar casa por complemento de pensão? Talvez seja má ideia

Por David Almas a 1 de setembro de 2024

E se, em vez de 47 anos, eu tivesse 65 anos? Os meus filhos seriam trintões e — espero — já não viveriam comigo; não precisaria de uma casa tão grande. Vendê-la-ia, quiçá.

Se continuar a apreciar 3,4% acima da inflação, como desde a sua compra, aliená-la-ia por cerca de 550 mil euros aos 65 anos, aos preços de hoje, o triplo do que me custou.

Após contabilizar a correção monetária, a mais-valia tributável rondaria 350 mil euros. Grosso modo, o fisco apenas tributa a valorização acima da inflação; fá-lo multiplicando o preço de compra por um coeficiente de correção monetária, publicado anualmente pelo membro do Governo com o pelouro dos impostos.

As regras atuais ditam que, em geral, as mais-valias imobiliárias, consideradas em 50%, são tributadas à taxa de 28%. Logo, a minha fatura fiscal seria de 49 mil euros. (Não sou fiscalista. Duvide da minha leitura dos códigos tributários.)

É possível evitar a tributação das mais-valias imobiliárias reinvestindo-as noutro imóvel. Não seria, todavia, esse o meu objetivo. O que poderia fazer para amenizar a fiscalidade?

Não é borla fiscal

Desde 2019 que os maiores de 65 anos e os reformados podem ficar isentos da tributação sobre as mais-valias das habitações próprias e permanentes. Para serem abrangidos por este regime é necessário que, no prazo de 6 meses a contar da venda dos imóveis, os contribuintes invistam essas mais-valias num complemento de reforma: seguro financeiro do ramo vida, fundo de pensões aberto, Certificados de Reforma ou produto individual de reforma pan-europeu (PIRPE).

Nunca subscreveria um seguro financeiro: são opacos, caros e rendem normalmente pouco. Não aderiria aos Certificados de Reforma, erradamente chamados de “PPR do Estado”: a sua gestão depende do ambiente político; agora investe, no mínimo, 25% em títulos de dívida pública portuguesa. Ainda não há PIRPE comercializados em Portugal.

Sobrariam os fundos de pensões. Qual elegeria? Se fosse hoje, escolheria provavelmente o Real Reforma Jovem, o fundo de pensões mais rentável na última década. Também poderia ser o BBVA Estratégia Investimento PPR: é um plano de poupança-reforma constituído na forma legal de fundo de pensões.

(Recordo a minha recomendação neste área: “fique longe dos fundos de pensões, se conseguir”, escrevi na edição de julho de 2023. Eu tenho algumas unidades do Real Reforma Jovem. Quando trabalhei na Deco Proteste — fui editor da Proteste Investe — recebi unidades do fundo de pensões BPI Valorização. Transferi-as para o BPI Ações e, posteriormente, para SGF Reforma Stoik e, depois, para o Real Reforma Jovem. Representam menos de 1% do meu património.)

Para beneficiar da isenção das mais-valias imobiliárias, o fundo de pensões (ou o seguro do ramo vida) tem de proporcionar uma renda periódica durante 10 anos ou mais. A soma das rendas não pode ultrapassar anualmente 7,5% do valor investido. (Todas estas regras estão no número 7 do artigo 10.º do Código do IRS.)

Portanto, para não pagar IRS sobre as mais-valias imobiliárias teria de:

Assumindo que o Real Reforma Jovem continuaria a render 3,85% por ano como na última década, calculo que o património investido no fundo de pensões se esgotaria em 19 anos. Durante esse período, as minhas faturas de IRS aumentariam 25 mil euros à conta dos ganhos neste produto. (A componente de rendimento das rendas recebidas de fundos de pensões alimentados com contribuições próprias é incluída na categoria H do IRS, isto é, é equiparada a pensões.)

Repare, todavia, que essa fatura de IRS é particularmente baixa devido à minha situação pessoal: tenho 20 anos de descontos para a Segurança Social e não planeio ter mais até aos 65 anos; a minha pensão estatutária será muito reduzida. Se tivesse uma carreira profissional longa, a minha pensão da Segurança Social seria mais elevada e, logo, a tributação dos meus rendimentos, incluindo as rendas, seria superior.

Trocaria um encargo fiscal imediato de 49 mil euros por uma despesa tributária de 25 mil euros espalhada ao longo de 19 anos. Parece um bom negócio.

Não convence

Se tivesse 65 anos, hoje não aderiria a este regime fiscal de isenção sobre as mais-valias imobiliárias. Tenho essencialmente dois motivos:

  1. São todos maus. O Real Reforma Jovem foi o fundo de pensões mais rentável nos últimos 10 anos. Se tivesse investido 100 euros há uma década, teria hoje 145,89 euros, excluindo eventuais comissões de subscrição. Se, em alternativa, tivesse investido os 100 euros no meu fundo favorito, o iShares Core MSCI World UCITS ETF, teria 295,46 euros, excluindo eventuais comissões de bolsa. É mais do que o dobro.

    Não sei se a disparidade se manterá nas próximas décadas. Bastam, porém, algumas décimas percentuais adicionais no retorno anual para o impacto ser muito significativo após 19 anos.

  2. É inflexível. Após contratar um fundo de pensões, um seguro financeiro do ramo vida ou subscrever Certificados de Reforma, pode fazer pouca coisa. Se interromper as rendas do fundo de pensões, por exemplo, terá de pagar ao fisco o imposto sobre as mais-valias imobiliárias. (Suponho que seja possível transferir o saldo do fundo de pensões para outra entidade gestora sem penalização fiscal.)

Se tivesse 65 anos e quisesse vender a minha casa, pagaria provavelmente os 49 mil euros de IRS sobre as mais-valias e reinvestiria o remanescente no meu fundo de investimento.

Penso que a maioria dos aposentados que pondere este regime fiscal optaria por uma solução mista: uma parte das mais-valias seria reinvestida numa outra habitação (mais pequena e num local mais tranquilo, por exemplo) e a outra parte seria aplicada numa renda de um fundo de pensões ou de um seguro financeiro.

Embora não faça sentido para o meu caso pessoal, não descarte imediatamente essa opção sem fazer algumas contas. Duvido que valha a pena, mas depende sempre da sua situação, especialmente do seu apetite pelo risco. ★

Respondido

“O AR PPR tem 25% em ações, mas comparas com uma carteira com 55% em ações.”

Na edição anterior do boletim tlim, confrontei os desempenhos dos planos de poupança-reforma mais rentáveis com carteiras indexadas de ações e obrigações. Como expliquei no artigo, essas carteiras foram desenhadas para a sua volatilidade histórica coincidir com a volatilidade histórica dos PPR analisados.

Embora o Alves Ribeiro tenha normalmente 25% dos ativos expostos aos mercados acionistas, o restante património pode ser volátil, tão ou mais volátil do que a exposição acionista em alguns casos.

Dizer-se que as ações são mais voláteis do que as obrigações é uma generalização. Na prática, depende dos títulos e da estratégia. Paulo Monteiro e a sua equipa do Banco Invest negoceiam frequentemente títulos de dívida, incluindo de mercados emergentes.

⋆★⋆

“Estou quase convencido em trocar os débitos diretos dos PPR por reforços em ETF. No entanto, ainda me faz alguma diferença receber mais 700 euros de IRS.”

Os investidores, como o leitor D.B., deixam-se iludir pelas vantagens de curto prazo, como as deduções fiscais.

Façamos um exercício. Qual é a melhor opção: investir no Save & Grow PPR/OICVM Prime, que tem sido o plano de reforma mais rentável, ou no iShares Core MSCI World UCITS ETF, que, tal como o PPR, investe quase totalmente nos mercados acionistas?

Assumamos que um casal de aforradores entre os 35 anos e os 50 anos deseja receber 700 euros dos seus 3500 euros iniciais no próximo verão, que os instrumentos repetirão os desempenhos alcançados pelos seus gestores nos próximos anos e que a duração do investimento será de 5 anos, o período mínimo recomendado pela Casa de Investimentos, a sociedade gestora do Save & Grow PPR/OICVM Prime.

Se a duração do aforro for mais longa, o pé-de-meia no PPR fica ainda mais longe da poupança no fundo de investimento. Por exemplo, 30 anos:

Outra vantagem da segunda estratégia é a menor volatilidade da carteira.

Se o casal for mais conservador nos seus investimentos ou se não eleger o melhor depósito bancário, o PPR pode ser a opção mais vantajosa no curto prazo. Por exemplo:

Àquelas taxas de rentabilidade, a estratégia do fundo de investimento somaria mais logo a partir do sexto ano. Por exemplo, após 10 anos:

O Vanguard LifeStrategy 60% Equity é menos volátil do que o Optimize PPR/OICVM Ativo.

Simplifiquei os raciocínios. Não incluí os encargos de negociação do fundo. Não considerei a tributação no resgate. As rentabilidades futuras não serão iguais às obtidas no passado.

A verdade inconveniente mantém-se: os aforradores buscam a cenoura dos benefícios fiscais. Enquanto os retornos dos PPR não se aproximarem dos desempenhos das melhores alternativas, dificilmente valerão a pena. Duvido que algum dia consigam lá chegar, porque normalmente são caros ou são mal geridos ou, mais frequentemente, ambas as coisas.

⋆★⋆

“Não considera que o PPR Golden SGF ETF e o PPR SGF Doutor Finanças pela gestão passiva, pelas carteiras baseadas em ETF e pela percentagem nos mercados acionistas poderão superar esta lista de PPR [mais rentáveis] e igualar o Vanguard LifeStrategy 80% Equity?”

Ainda é cedo para conseguir formar uma recomendação sobre o PPR Golden SGF ETF e o PPR SGF Doutor Finanças, como o subscritor P.A. gostaria: o primeiro celebrará o primeiro aniversário e o segundo o segundo aniversário no próximo mês de outubro. Nem compensa comparar o desempenho histórico com o Vanguard LifeStrategy 80% Equity (embora estejam ambos muito longe deste fundo desde que foram criados).

Embora não emita recomendações, desconfio que não conseguirão bater o Vanguard LifeStrategy 80% Equity no longo prazo. Aponto dois motivos para a minha descrença:

  1. São mais caros: O fundo da Vanguard tem encargos anuais de 0,25% do património, o que inclui as despesas dos fundos em que investe.

    O PPR SGF Doutor Finanças tem um encargo fixo anual de 1% do património ao que se acrescenta as despesas dos fundos em que investe, como o encargo anual de 0,12% por ano do SPDR MSCI World UCITS ETF, o seu maior investimento. Tem ainda uma estúpida comissão de desempenho de 10% dos ganhos.

    Em julho passado, o PPR Golden SGF ETF bifurcou-se: a classe A, agora acessível a partir de 10 mil euros, tem um encargo anual de 0,83%; a classe B, disponível a partir de 1500 euros, custa 1,08% por ano. Somam-se ainda os encargos dos fundos selecionados, como os 0,20% do iShares Core MSCI World UCITS ETF.

    Investir no Vanguard LifeStrategy 80% Equity tem encargos, como comissões de bolsa, mas seria preciso eleger um péssimo intermediário financeiro para as despesas ultrapassarem os custos dos PPR. Além disso, quando os gestores dos PPR transacionam títulos, as despesas são suportadas indiretamente pelos subscritores.

  2. Não são passivos: Embora sejam promovidos como soluções passivas, o PPR Golden SGF ETF e o PPR SGF Doutor Finanças não o são. Compreendo que os gestores precisem de alguma margem de manobra, mas não será exagerado um intervalo de exposição acionista de 65% a 85%, que é o que regula o PPR Golden SGF ETF? O intervalo acionista do PPR SGF Doutor Finanças é de 75% a 90%. Pior: o gestor do PPR SGF Doutor Finanças, Carim Habib da Dolat Capital, pode ter ou não ter exposição obrigacionista; pode ter ou não ter matérias-primas (leia-se: ouro).

    O prospeto da Vanguard é intransigente: “O fundo buscará alcançar os seus objetivos de investimento ganhando exposição a uma carteira diversificada composta aproximadamente em 80% em ações e 20% em títulos de dívida.”

    Penso que a história comprova que, geralmente, quando os investidores (incluindo os gestores profissionais) têm margem de manobra, envolvem as suas emoções no processo de investimento, o que frequentemente dá maus resultados. ★

Visto

Chegou o fim da IFRA

Parece que já não é fixe buscar a independência financeira.

Dito

Benjamin Graham:

“É um cliché ou um álibi conveniente para justificar os desempenhos medíocres do passado.”

A editora Self publicou finalmente a versão portuguesa da obra-prima de Benjamin Graham, um dos maiores investidores de sempre e o fundador da avaliação moderna de títulos, O Investidor Inteligente. É a edição enriquecida pelos comentários contextualizadores de Jason Zweig.

É um livro essencial para qualquer investidor. A tradução é aparentemente boa.

Não se esqueça, todavia, que, antes de morrer, Benjamin Graham convertera-se à indexação. “Já não sou um defensor de técnicas elaboradas de análise de títulos para encontrar oportunidades superiores de valor”, confessou numa entrevista ao Financial Analysts Journal. “Duvido que, na maioria dos casos, tais esforços intensos gerem seleções suficientemente superiores para justificar o seu custo.”

Para Graham, os investidores fariam melhor se confiassem em apenas um indicador bolsista, como o rácio preço-lucros, o preço-valor contabilístico ou a taxa de dividendos.

Quando o entrevistador lhe pergunta se o investidor médio conseguirá bater o seu índice de referência, a resposta de Graham é “não”. Quando o entrevistador lhe pergunta se os investidores devem ficar satisfeitos com os resultados do índice, responde “sim”.

Quando os fundos de índice nasceram para as massas nos Estados Unidos da América, um mês antes de Benjamin Graham morrer, havia muita polémica nos mercados. A citação anterior é a resposta de Graham às objeções que os fundos de índice recebiam dos gestores de ativos. ★

Suporte este boletim

O boletim tlim é gratuito, mas solicito um donativo a quem beneficiou do seu conteúdo e tem margem financeira para apoiar este projeto. O donativo sugerido é de seis euros, mas pode ser superior ou inferior em função da utilidade e da disponibilidade do leitor.

Recebo os donativos preferencialmente por transferência bancária na seguinte conta:

Aceito, em alternativa, pagamento com cartão bancário, em tlim.pt/donativo.

Fico agradecido pelo seu donativo.

— David Almas